Filme obscuro do gênero espada & feitiçaria (sword & sorcery) surpreende com protagonista feminina em uma época tomada pelos filmes de brucutu.
No ano de 2010 um amigo me mostrou um projeto que ele estava desenvolvendo, um blog. Na época lembro que achei super legal e inventei de criar um blog pra mim também, escolhi um nome, comecei a criar conteúdo, e até que o blog durou, mantive ele ativo por quase cinco anos. Mas os tempos mudaram, comecei a trabalhar, estudar uma nova graduação, mas eu lembro que na época eu tinha uma certa paixão por filmes de alta fantasia e até conseguir assistir vários dos clássicos e escrever diversas análises.
Agora, 10 anos depois que meu falecido blog foi descontinuado, retorno para a missão que eu comecei e nunca concluí: assistir o máximo de filmes do gênero alta fantasia e escrever a respeito.
Como primeiro post de conteúdo oficial no blog do Covil da Necromante, inauguro essa sessão de 'Filmes pra você morrer antes de ver' com Hundra, um filme de 'bárbaro' dos anos 80 com protagonista mulher, e todos os clichês absurdos do gênero.
Prepara seu café, pra essa leitura e vem comigo.

O FILME HUNDRA
Dirigido por Matt Cimber, que também assina o roteiro junto com José Truchado e John Goff, Hundra é um filme de 1983 e está categorizado como pertencente ao sub gênero de alta fantasia Espada & Feitiçaria, ou como é comumente referenciado no original em inglês, Sword & Sorcery.
O filme estrela Laurene Landon como a personagem principal que dá nome ao filme, Hundra.
A produção não gerou continuações, diferente de outros filmes do mesmo gênero na mesma época, mas chegou a ter um game digital diretamente inspirado, também de mesmo nome.

A HISTÓRIA DE HUNDRA
A história começa no acampamento das lendárias amazonas, uma tribo de guerreiras e exclusiva para mulheres, onde todas vivem felizes e em comunhão. Um belo dia, um bando considerável de bandidos, todos homens, invadem o acampamento e assassinam todas as mulheres presentes, menos Hundra, que por sorte do destino estava caçando. Ao vislumbrar a tragédia do seu povo, Hundra foge, mas é perseguida pelo mini exército de bandidos.

Sozinha, contanto com a companhia de seu cavalo e cachorro de caça, Hundra consegue enganar, despistar, e enfrentar um a um os bandidos que destruíram sua tribo.


Desemparada e desiludida com os homens, Hundra promete pra si mesma que jamais se deitaria com nenhum, e então parte em busca do seu destino atrás de uma oraculista.

Porém, ao conversar com a oraculista, descobre que na verdade o seu verdadeiro destino é ser a matriarca da tribo das amazonas, e que pra isso ela precisaria ter herdeiras e assim dar continuidade a sua linhagem.

Hundra então parte novamente em busca de um homem para ser o pai da sua filha, mas se frustra ao encontrar inicialmente apenas homens xucros, violentos, burros e patéticos.

A sua sorte começa a mudar, quando chega à uma grande cidade governada por um lorde frívolo. Ao chegar, se depara com uma comoção pública, e tenta apaziguar em vão a situação.

Enquanto Hundra é acolhida por um senhor idoso e humilde, que além de lhe oferecer um prato de comida, a explica a situação daquela sociedade. Eles são governados por homens fúteis, que por sua vez obrigam jovens mulheres a servirem como sacerdotisas em um templo divino. Porém, essas sacerdotisas também são exploradas sexualmente pelos homens poderosos do local.

Enquanto Hundra conversa com o sábio idoso, as notícias da mulher bárbara e guerreira chegam aos ouvidos do lorde local, que prontamente coloca sua guarda para persegui-la e entregá-la ao templo como mais uma oferenda.

Quando a guarda aparece para sequestrar Hundra, ela resiste, e foge em uma ótima cena de luta e perseguição pela cidade. Mas durante a fuga, Hundra acaba se escondendo na casa de um homem curandeiro, lá ela se depara com um homem que julga atraente e potencialmente perfeito para ser o pai da sua filha. Aproveitando a oportunidade, Hundra faz a proposta sem qualquer tipo de cerimônia ou sutileza, bastaria o homem se dispor a ter relações sexuais para ela engravidar, e ela iria embora. Mas, o curandeiro a recusa, e ambos têm uma discussão interessante: Por um lado, Hundra questiona os métodos dos homens, sempre violentos e tomando tudo o que querem a força, por outro, o curandeiro se mantém convicto aos seus valores, e explica a hundra que existem outros métodos além da violência para conquistar uma pessoa.

Então Hundra decide se entregar de livre e espontânea vontade para servir às sacerdotisas do templo, já que lá ela poderia aprender com essas mulheres a ser mais "sedutora".

Neste momento, se passam dias, semanas, em que Hundra vive ao lado das sacerdotisas e particularmente próxima a uma delas, Drachima, que a ensina como se arrumar, como cuidar dos cabelos, como se maquiar, como se portar, e todas as regras de etiqueta da sociedade. Ao mesmo tempo, Hundra ensina Drachima a ser uma mulher mais corajosa, a lutar e a não se permitir humilhar perante aos homens, forjando ali uma grande amizade entre duas mulheres.

Quando Hundra se sente preparada e confiante, ela volta a procurar o curandeiro para seduzi-lo de verdade, e não força-lo a se deitar com ela contra sua vontade. Enquanto o casal compartilha intimidade, a amiga sacerdotisa Drachima é abordada por 5 guardas da cidade, que prontamente começam a assedia-la ao perceber que ela se encontra sozinha e 'indefesa'. Neste momento, Hundra aparece, mas ao invés de lutar diretamente com os homens como poderia, ela conversa com a vulnerável Drachima e a apoia, e incentiva a amiga a lutar e revidar frente ao assédio dos homens. Drachima luta, e assim Hundra se junta ao conflito dando uma lição nos guardas, antes de voltar para o templo e contar para a amiga como adorou passar o tempo a sós com o curandeiro, assim como a vontade de voltar lá mais vezes até que finalmente estivesse grávida.

Mais dias se passaram, mais semanas, mais meses, e Hundra já grávida finalmente entrou em trabalho de parto, dando à luz a uma menina forte e saudável.

Feliz e satisfeita por ter cumprido com seu destino, Hundra deixa sua filha aos cuidados da amiga Drachima um breve momento, para poder se despedir do curandeiro antes de ir embora, mas ao voltar para o templo, descobre que sua bebê foi sequestrada e feita de refém pelo lorde, que agora exige como pagamento pelo resgate a humilhação de Hundra frente aos nobres da cidade.

O Lorde tranca Hundra e as sacerdotisas no templo junto com os demais nobres, mas enquanto Hundra se prepara para se ajoelhar de forma humilhante frente aos homens que estão ansiosos para explorar sua vulnerabilidade, Drachima escapa, enfrenta e derrota sozinha um dos guardas, e consegue resgatar a bebê de Hundra, assim como seu próprio filho que também estava de refém. Enquanto isso, o Curandeiro invade o templo carregando a espada de Hundra.

A luta é intensa, mas Hundra sai vitoriosa. As sacerdotisas assumem o templo para nunca mais serem exploradas sexualmente pelos homens, e o Lorde? Bom, digamos que todas as sacerdotisas se vingam dele...

Agora sim, questões resolvidas, Hundra está pronta para ir embora, ela se despede da amiga, do pai da sua filha, e parte com uma promessa: quando sua filha tiver a idade certa, ela voltará para aquela cidade, para procurar o filho da sua amiga Drachima, e assim junto com ele ter outra filha para dar continuidade à linhagem das amazonas.

CONSIDERAÇÕES
É verdade que o filme mais cultuado do gênero seja Conan, O Bárbaro estrelado por Arnold Schwarzenegger, assim como é verdade que os filmes de Espada & Feitiçaria são a versão alta fantasia dos filmes de ação do tipo Brucutu dos anos 80. Sendo assim, é admirável que um filme do gênero seja protagonizado por uma mulher, com uma história original disposta a subverter questões que não eram, mas se tornariam clichê, como o 'Bárbaro que salva a mocinha e como recompensa recebe o controle sobre ela'.
Eu entendo que o filme não é perfeito, e também vou abrir aqui algumas ressalvas já que estamos falando de uma produção audiovisual dos anos 80's, escrita e dirigida por homens, mas até que eles se saíram bem.
Vamos pular o gancho motivacional óbvio do homem que perdeu sua família e agora deseja se vingar, até porque mesmo a Hundra sendo uma mulher, a proposta já era batida e cafona já em 1983, imagina hoje.
O foco aqui está justamente nas relações femininas, Hundra encontra em mulheres completamente diferentes, grandes aliadas e amigas. Em nenhum momento a história aponta a 'mulher masculinizada' como a 'única forte', muito pelo o contrário, há uma força tremenda nas mulheres exploradas do templo, e a presença de Hundra é na verdade uma esperança, um sinal de que as coisas podem ser diferentes. Ou seja, o destino de Hundra de preservar a tribo das amazonas estava muito além da linhagem consanguínea, era social, sendo ela a mulher que ao longo da sua jornada foi capaz de empoderar outras que não nasceram com a mesma sorte.
Considero uma grande vitória a lição de moral do curandeiro à Hundra, já que a violência não é uma exclusividade de gênero, mas uma forma de poder associada ao patriarcado, e a Hundra não seria muito melhor do que os homens que ela despreza se tivesse abusado de alguém como ela propôs.

VALE APENA ASSISTIR?
O elenco é fraco, os figurinos toscos, a produção é simplória, mas a história é surpreendentemente bem dirigida. Em nenhum momento me senti perdida na narrativa, como já aconteceu diversas vezes em filmes do gênero, e há ocasiões onde os diálogos passam muita informação de forma sutil, como é o caso do curandeiro explicando em poucas palavras carregadas de eufemismo, que não seria possível ter uma ereção que sustentasse uma relação sexual com uma mulher suja e suada que acabou de cair do seu telhado.
Pra quem não está acostumada ou acostumado com filmes do gênero, eu não recomendo, é uma produção simplória, melhor procurar os filmes bem avaliados pela crítica. Mas pra quem adora um filme camp e trash igual eu, vai fundo.
Esse filme ganha o selo: Tosco & Gostoso.

saiba mais
Eu não sei se Hundra está disponível em algum serviço de streaming, mas eu consegui acesso à ele através da Locadora do Paulo Coelho, como diz uma amiga minha. (Para um bom entendedor, um pingo é um I, não é verdade?)
Fiquem com o trailer, e divirtam-se com a qualidade questionável dessa produção cinematográfica.
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